Agricultura Comunitária

Artigos e práticas de agricultura comunitária e familiar

quinta-feira, agosto 24, 2006

Projeto Mandalla

Desenvolvido para viabilizar a produção de alimentos de maneira sustentável na região do semi-árido nordestino, o sistema Mandalla não só vem cumprindo o propósito de garantir o sustento das famílias dos pequenos produtores, como ganha adeptos em outras regiões do país, e está presente também em Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, uma universidade pesquisa e busca difundir a técnica. Em municípios do interior, a tecnologia da Mandalla está à disposição dos agricultores e já começa a beneficiar pequenas comunidades.



Imitando o Universo


Mandala, palavra de origem indiana, é um desenho composto por figuras geométricas concêntricas. Do ponto de vista religioso, é uma representação do ser humano e do universo. O sistema Mandalla reproduz a estrutura do Sistema Solar.
No centro (localização equivalente à do Sol, fonte de vida e energia), um reservatório de água com uma planta circular, em forma de funil, cuja capacidade de armazenamento tem que ser proporcional aos diâmetros dos anéis formados à sua volta. O tanque também serve para a criação de peixes, patos e marrecos, que enriquecem organicamente a água do reservatório.
Os primeiros três círculos internos equivalem às órbitas dos planetas Mercúrio, Vênus e Terra, e são denominados Círculos de Melhoria da Qualidade de Vida Ambiental.
Destinam-se ao cultivo de hortaliças e plantas medicinais, atendendo às necessidades de subsistência da família. No primeiro círculo também são criados pequenos animais, como galinhas, cabras, carneiros ou até vacas, cujo esterco aduba o solo. Os cinco anéis seguintes equivalem às órbitas de Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, formando os Círculos da Produtividade Econômica. Esses se destinam a culturas complementares diversas, como milho, feijão verde, abóbora e frutíferas, cuja produção em maior escala permite o excedente para comercialização, gerando renda para o agricultor. O último anel da Mandalla é denominado Círculo do Equilíbrio Ambiental. Representa a órbita de Plutão e destina-se à proteção do sistema, com cercas vivas e quebra-ventos, como forma de melhorar a produtividade e prover parte da alimentação animal, além da oferta dos nutrientes necessários à recuperação do solo.


Mecânica do sistema



Sobre o reservatório de água, ergue-se uma estrutura similar à de uma pirâmide, com seis hastes que vão apoiar as linhas de mangueiras plásticas utilizadas para a irrigação do sistema. Uma das hastes sustenta uma lâmpada, que atrai insetos à noite, servindo para afastá-los das plantas, fazê-los cair na água e alimentar os peixes e patos. Ao longo das linhas mestras que partem das estrutura em forma de "pirâmide", estão distribuídos gotejadores feitos com garrafas pet. O restante da área é irrigado por círculos de mangueiras que controlam microaspersores, que podem ser feitos com os tubos plásticos de cotonetes de ouvido. A água vem do reservatório, de onde é puxada por uma bomba. De acordo com o criador do sistema, o gasto de água é 20% menor do que o de um sistema convencional de irrigação.



Para uma Mandalla grande, é necessário dispor de uma área com 2,5 mil metros quadrados (50m X 50m), cujo custo de instalação fica em torno dos R$ 3 mil. Mas também são viáveis estruturas menores, em que o custo pode ficar entre R$ 600 e R$ 1,2 mil (incluindo sementes e manutenção de animais). Experiências em desenvolvimento na região Nordeste mostram que a renda de R$ 1,7 mil pode ser alcançada pelo agricultor com uma única Mandalla. Em áreas de dois hectares, e com até quatros Mandallas, a renda pode chegar até a R$ 5 mil ao mês, graças à redução de custos.



Universidade



Em Campo Grande, no campo experimental da Uniderp (Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal), foi instalada uma Mandalla. A engenheira agrônoma Denise Pedrinho, professora da Uniderp, explica que esse é um sistema orgânico de rotação de culturas com valor agregado na produção. "A Mandalla proporciona, em um pequeno espaço, uma produção integrada", afirma. A primeira Mandalla do estado foi instalada em Rio Brilhante, com o incentivo da prefeitura local, e construída no Sindicato Rural do município. Segundo a professora Denise, muitas pessoas ficaram interessadas, porém o método ainda não estimulou outros produtores rurais a implantarem o sistema em suas propriedades. "Muitos produtores nos procuram para saber mais sobre a Mandalla, mas sabemos que existem apenas oito em todo o estado", conta. Denise lembra ainda que existem projetos para implantar o sistema em pequenas propriedades e assentamentos. "O custo é muito baixo, além de oferecer uma diversificação muito grande ao produtor rural", explica.


A professora Denise também alerta para a importância da escolha do local. A água que vai abastecer o reservatório pode ser proveniente de açudes ou córregos, mas antes de montar a Mandalla, o produtor precisa ter um lugar de fácil acesso para que a água vá até o tanque. "A Mandalla não pode ser construída em um lugar alto, por exemplo, pois a chegada da água será mais complicada", alerta, lembrando que a facilidade do abastecimento de água é determinante para a viabilidade econômica do sistema. Associação de Moradores Em Três Lagoas, na divisa de Mato Grosso do Sul com São Paulo, a prefeitura está incentivando a implantação do sistema Mandalla.


No ano passado, uma unidade demonstrativa foi instalada na Exposição Agropecuária do município, despertando curiosidade e interesse dos produtores. Depois, em terreno da prefeitura junto ao Departamento de Serviços Urbanos, foi instalada uma Mandalla maior, cuja produção já serviu para abastecer a cozinha de creches, escolas e programas sociais do município. Agora, a Semap (Secretaria Municipal de Agronegócios e Pecuária) está instalando uma Mandalla do no Bairro de JK, a primeira das três que pretende implantar ainda este ano. O espaço utilizado é um terreno da Associação de Moradores, ao lado do centro comunitário do bairro. A Mandalla vai ocupar uma área de 25m X 25m e está sendo construída com a colaboração da comunidade. O plantio, bem como os critérios de distribuição da colheita, estarão a cargo da Associação de Moradores.



Agência Mandalla - DHSA


A aplicação e difusão do sistema Mandalla é realizada pela Agência Mandalla DHSA (Desenvolvimento Holístico e Sistêmico Ambiental), uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) criada por Willy Pessoa e por um grupo de jovens universitários em João Pessoa (PB), em 2002, para assegurar o desenvolvimento harmonioso das comunidades e seus habitantes, baseado numa agricultura sustentável e familiar, começando no campo, em pequenas propriedades, e alcançando as cidades, os estados e o país inteiro, assim como uma pedra que, atirada ao lago, forma círculos concêntricos, num movimento crescente e equilibrado. Para alcançar os níveis de sustentabilidade propostos, a Agência Mandalla DHSA fundamenta-se nos princípios da Permacultura. No centro da atividade do permacultor está o planejamento consciente que torna possível, entre outras coisas, a utilização da terra e da água sem desperdício ou poluição, a restauração de paisagens degradadas e o consumo mínimo de energia. Este processo deve ser dinâmico, contínuo e orientado para a aplicação de padrões naturais de crescimento e regeneração, em sistemas perenes, abundantes e auto-reguladores.


A Permacultura nasceu amparada por uma ética fundadora de ações comuns para o bem do sistema Terra. O primeiro princípio é o do cuidado com a Mãe-Terra para garantir a manutenção e a multiplicação dos sistemas vivos. Depois, o cuidado com as pessoas para a promoção da autoconfiança e da responsabilidade comunitária. E por fim, aprender a governar as próprias necessidades, impor limites ao consumo e repartir o excedente para facilitar o acesso de todos aos recursos necessários à sobrevivência, preservando-os para as gerações futuras. (Fredericky Labad, gestor de Comunicação da Agência Mandalla DHSA)
Parceria Multinacional


Desde 2004, a Bayer CropScience é parceira do Projeto Mandalla, que já beneficiou mais de 1.200 pequenos agricultores, em dez assentamentos rurais da Paraíba, viabilizando a produção de alimentos para o sustento familiar. O projeto, além de garantir a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem no meio rural, contribui para o resgate de aspectos sociais, como a reinserção do homem na sociedade por meio do trabalho. Em 2005, a Bayer CropScience ampliou sua atuação no projeto e, de três assentamentos rurais em 2004, passou para dez: em Acauã, no município de Aparecida; Dona Helena e Massangana II, na cidade de Cruz do Espírito Santo; Santa Helena e Comunidade Cristã, no município de Sapé; Centro de Reabilitação de Dependentes Químicos na cidade de Vieirópolis; Santo Antônio I e Santo Antônio II, no município de Cajazeiras; Engenho Velho, zona rural de João Pessoa; e Tibiri. Todos os assentamentos estão localizados de regiões carentes do semi-árido paraibano.


Também no ano passado, a empresa viabilizou a criação do Unicenter Mandalla - Centro Nacional de Difusão de Tecnologias Sociais Mandalla, em Cuité, interior da Paraíba, a cerca de 200 quilômetros de João Pessoa. Ocupando uma área de cinco hectares, o Centro desenvolverá um modelo multiplicador de ações para a difusão de informações, tecnologias simples, de fácil aplicação e baixo custo, mas, ao mesmo tempo, de elevado alcance social. Além dos recursos financeiros, a Bayer CropScience tem contribuído com técnica, apoio logístico e bolsas de um salário mínimo durante os seis primeiros meses, tempo que o agricultor necessita para colher sua primeira safra familiar. A empresa também apoiou a formação da Biblioteca do Centro Cultural de Acauã, fornecendo computadores e livros de conhecimentos gerais, provenientes de doação de funcionários. O trabalho entre a Bayer CropScience e a Agência Mandalla conquistou o Prêmio Parcerias - Empresas e ONGs para o Desenvolvimento Solidário do Nordeste, uma iniciativa da Aliança Interage e do Instituto Ação Empresarial pela Cidadania. O prêmio busca incentivar e dar visibilidade a parcerias entre empresas e ONGs que fortalecem ações solidárias e sustentáveis no Nordeste brasileiro.

por Fernanda Barros e Vanda Moraes
Revista Lida

Assentamentos e Meio Ambiente

O Pontal do Paranapanema, considerado a segunda região mais pobre do Estado de São Paulo, tem sua economia baseada principalmente na exploração agropecuária, pelo cultivo de cana-de-açúcar.


No final da década de 80, com a chegada do Movimento dos Sem Terra (MST), a região tornou-se cenário de grande conflito na luta pela terra, resultando atualmente em 102 assentamentos rurais, com aproximadamente 6 mil pequenos produtores que sobrevivem da agricultura familiar.


Os assentamentos de reforma agrária, em sua grande maioria, têm sua matriz tecnológica de produção embasada no sistema imposto pelo convencionalismo da “Revolução Verde”, que exige grandes inputs de insumos externos, principalmente no tocante a agroquímicos e a sementes melhoradas. Isso cria uma dependência cada vez maior de um modelo agrícola pouco sustentável para a pequena agricultura familiar (Caporal e Costabeber, 2004). O modelo composto pela “Revolução Verde”, iniciada no pós-guerra, criou tecnologias que proporcionavam aumento da produtividade agrícola, com uso de adubos químicos, seguido pela inserção dos pesticidas de amplo controle, fazendo o uso de sementes melhoradas, muito delas híbridas, ou seja, com baixa ou nenhuma capacidade de reprodução (Silva e Fay, 2004).



Toda essa evolução na produção agrícola resultou em grande ônus ambiental e para a agricultura familiar. As novas tecnologias de substituição, amplamente difundidas, implicaram grande perda de conhecimento tradicional dos camponeses, que possuíam através do manejo racional dos bens da natureza, vem sendo dizimado por esse processo (Caporal e Costabeber, 2004). Esse modelo levou os pequenos produtores a ficarem cada vez mais dependentes da política de crédito agrícola, na qual as orientações da assistência técnica empunhavam a utilização do “Pacote Agrícola”, a base de aquisição de adubos químicos, inseticidas, (muito deles contendo forte impacto ambiental e na saúde do produtor) e sementes, que estão evoluindo para sementes transgênicas, criando dependência de um novo “Pacote Tecnológico”.



A sutileza que foi submetida à perda de conhecimento camponês influenciou não só na produção agrícola, mas também no que diz respeito à cultura familiar ancestral, principalmente no que se refere à medicina alternativa e à diversidade alimentar, que eram repassados através da hereditariedade natural. A cultura de suficiência alimentar, que era produzida pelo próprio agricultor no lote, atualmente é substituída pela diversidade do supermercado e dinamizada pela moderna mídia, que resulta em uma enxurrada propagandista para o consumo de produtos processados. Apesar da facilidade na informação sobre os produtos processados, o seu acesso é relativamente restrito, pois a baixa geração de renda da propriedade propicia a aquisição muito limitada e pouco diversa de gêneros alimentícios, desencadeando uma alimentação desbalanceada, a base de uma dieta de açúcares e carboidratos com pouca variedade de fibras e proteínas.


Devido ao processo de ocupação sem critérios, a exuberante Mata Atlântica, que antes predominava na região, sofreu drástica redução em sua cobertura florestal, restando hoje apenas 1,85% da cobertura original. A maior parte do que resta é o Parque Estadual Morro do Diabo (37 mil hectares) e alguns fragmentos em propriedades privadas e assentamentos (Dean, 1995). Como conseqüência, do modo de ocupação da Reserva do Pontal, houve grande concentração de terras devolutas em poder de poucos fazendeiros, com 8% dos proprietários rurais detendo a posse de 75% dos 260 mil hectares da Reserva (CATI, 1996). As grandes extensões de pastagem impedem a conectividade entre os fragmentos florestais remanescentes, levando ao isolamento muitas espécies, entre elas o Mico-Leão-Preto (Leontopithecus chrysopygus), um dos primatas mais ameaçados de extinção do planeta (Valladares-Pádua e Cullen, 1995, IUCN Red Data Book).


Caso o modelo de exploração convencional adotado pelos produtores da região perpetue sem preocupações ambientais, poderá por em risco o que resta das florestas do Pontal, bem como exaurir os recursos naturais disponíveis por conta do uso predatório e indiscriminado dos sistemas agrícolas atualmente empregados.

Jefferson Ferreira Lima
Tecnologia pela Fundação Banco do Brasil em 2005